02 setembro 2011

[Artigo] O Mundo como representação

O mundo como representação

Posso está completamente equivocado, mas não concordo - (quanta audácia minha, não é mesmo caro leitor?!)-, quando Platão afirma, no seu livro X da República, que os poetas e os pintores são imitadores e – através dessa “brincadeira sem seriedade” - fazem uma cópia infiel e mal feita da realidade. Uma cidade justa, para o discípulo de Sócrates, seria uma cidade sem poetas e pintores.

Ora, como imaginar uma cidade sem esses imitadores... Afinal, o mundo inteiro não é mesmo um palco e todos os homens e mulheres apenas atores, como alertava Shakespeare?! Por isso que Fernando Pessoa, na sua Tabacaria, quando quis tirar a máscara, percebeu que ela estava pregada à cara...

Pois bem, caro leitor, o mundo é que imita a arte. Se já tinha certeza desta afirmação, depois de dois momentos que vivi, recentemente, vi que isto era a pura verdade: o mundo é que imita a arte.

Como professor de medicina e arte, de duas escolas médicas do estado, tenho como atividade de classe sessões de cinema. Dois filmes que fazem parte deste repertório, e que recomendo a todos, são: “O clube do imperador” e “Sociedade dos poetas mortos”. Ambos os filmes têm o ensino como foco principal.

O primeiro conta a história - (sim, com “H” mesmo, afinal a estória nunca quer ser estória, como dizia Guimarães Rosa e o mundo não é um palco?) – do professor William Hundert (Kevin Kline), da escola St. Benedict’s, de rapazes abastados dos EUA. O professor Hundert ensina sobre ética, moral, que “o caráter de um homem é o seu destino” e mesmo assim, não consegue demover um dos seus ricos alunos, Sedgewick Bell, filho de um senador americano, a entrar no caminho certo e mesmo tendo-o colocado no final de um concurso (Senhor Júlio César) sobre Roma antiga, este trai a confiança do professor e tenta ganhar o primeiro lugar trapaceando e colando. Para Sedgewick Bell, o importante é vencer, não importa como...

O segundo filme, talvez mais conhecido de todos, tem como professor John Keating (representado pelo excepcional Robin Williams), que tenta ensinar aos seus alunos o valor da famosa frase do poeta Horácio: Carpem Diem (“Aproveitem o momento”). Uma das cenas mais emocionantes, que nos leva as lágrimas, é quando o professor Keating, pede a seu aluno, Todd Andersen, para fazer uma poesia e este, tímido e inseguro, com o ajuda do seu professor e da foto do poeta Walt Whitman, faz um belíssimo poema de improviso.

Veja caro leitor, como o mundo é uma representação e é ele quem imita a arte... Eu, nestas quase duas décadas de magistério, já tive momentos de William Hundert e John Keating. No início do ano, descobri o meu Sedgewick Bell: alguém em quem tive todas as considerações; em quem apostei; em quem dei apoio e ajuda e o que recebi foi uma grande traição... O Sedgewick Bell, do meu mundo real, conseguiu o que queria: chegou ao topo, ao ápice, ao poder máximo, mas como um Átila, não se importou em destruir uma amizade de anos... Recentemente, vivi o outro lado: descobri o meu Todd Andersen. E o dia 10 de agosto de 2011 ficará sempre na minha memória. Estava dando aula, quando passei a cena marcante do filme “Sociedade dos poetas mortos”. L ogo depois, pedi que um dos alunos se dirigisse a frente e fizesse um poema de improviso. Então, como no cinema, o aluno Daniel Brito, do quarto período do curso de medicina da UnP, começou a declamar a sua obra, chamada MEDICINA E ARTE:

“Quero um pouco do seu tempo, Pois tenho que te falar, Que antes não via motivo, Pra esta ‘matéria’ cursar. / Quando olhei para o currículo, E vi Medicina e Arte, Pensei: isso é ridículo! Não devia fazer parte./ Entrei no curso com essa idéia, E dela não me livrei. Mas em uma reflexão, Certa verdade enxerguei/ Para a cura do corpo ser alcançada, Lanço mão de uma medicina avançada. Mas e se a alma adoecer? O que o cirurgião vai fazer? E se um vazio envolver o sentimento? Tecnologia médica dispõe de tratamento?

Uma siringomielia, Eu trato com cirurgia. Mas tristeza e solidão, Não se curam com injeção. /Pois foi nessa ocasião, Que eu cheguei à conclusão: Se é a alma que tem dor, Eu só curo com amor./ A arte traz alegria. A medicina traz esperança. Talvez se eu juntar os dois, Por onde eu passar depois, Eu deixe boa lembrança.

Muitas vezes o amor, Se traduz em sorriso e carinho. E de uma coisa não há dúvida: Medicina e arte é um caminho. Agora, dessa arte, quero fazer parte. E ainda te digo professor, Que breve estarei com o senhor, No nobre projeto AMARTE.”

Caro leitor, confesso que chorei. Percebi, mais uma vez, que o Professor, assim como um Sísifo, pode ser feliz... Que Guimarães Rosa tinha razão ao perceber que ela, a felicidade, ocorre em raros momentos de distração. E eu que andava tão distraído, ultimamente, de repente, me vi, no teatro da vida, representando o meu melhor personagem: o de ser professor.


Saint- Exupéry, quando se vestiu de príncipe para representar o seu pequeno personagem, disse: “O que torna belo um deserto é que ele esconde um poço em algum lugar”. Agora, vestido de escritor e imitador, ladrão de frases, como certa vez fui acusado, lhe digo, caro leitor: O que torna belo uma sala de aula é que ela esconde Sedgewick Bell’s e Todd Andersen’s em algum lugar. E é através dessa diferença entre a ingratidão e a amizade, entre o desrespeito e o respeito, entre a indiferença e o amor, é que eu encontrarei sempre o sentido desta minha existência.

Luz, Câmera, Ação! Vamos em frente, pois vida é movimento e imitação também...


Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor

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