Sentados em seus computadores, dois grupos de jogadores conseguiram resolver em apenas três semanas um mistério que desafiava os cientistas há mais de dez anos. Lançado em 2010, o jogo online "Foldit" (http://fold.it/), de criação de estruturas em 3D, permite que pessoas de diferentes formações ao redor do mundo colaborem na previsão da estrutura de moléculas de proteínas, informação chave para se compreender suas funções e usos. Neste caso, o mistério envolvia um tipo de enzima que tem um papel fundamental na proliferação do vírus da Aids. As pesquisas de remédios para bloqueá-la, porém, enfrentavam dificuldades pelo fato de não se saber qual seria sua real aparência.
- Queríamos ver se a intuição humana teria sucesso onde os métodos automatizados falharam - conta Firas Khatib, do Departamento de Bioquímica da Universidade de Washington e um dos autores de artigo sobre a descoberta, publicado neste domingo na versão online da revista "Nature Structural & Molecular Biology", que lista tanto cientistas quanto jogadores como co-autores.
Lançado o desafio no "Foldit", usuários produziram modelos tão bons da estrutura da enzima que pesquisadores puderam refiná-los rapidamente e em poucos dias determiná-la com exatidão. A estrutura é fundamental - às vezes mais que a composição química - porque destaca partes da molécula que podem servir de alvos para desativar a enzima e conter a proliferação do vírus.
"Essas características da enzima fornecem excitantes oportunidades para a criação de drogas antirretrovirais, inclusive contra a Aids", ressaltaram os pesquisadores no artigo sobre a descoberta. Este é o primeiro caso conhecido em que jogadores e colaboradores online tenham levado à solução de um duradouro mistério científico. Criado por cientistas da computação da própria Universidade de Washington em colaboração com o Departamento de Bioquímica da instituição, o "Foldit" conta com milhares de usuários que estão ajudando nas pesquisas sobre as possíveis causas e curas de doenças como câncer, Alzheimer, imunodeficiências e várias outras, além do desenvolvimento de biocombustíveis.
"A solução da estrutura desta enzima mostra o poder dos jogos online em canalizar a intuição humana e sua habilidade de encontrar padrões em três dimensões para atacar desafiantes problemas científicos", acrescentaram os autores no artigo. Usando ferramentas de manipulação direta em 3D no ciberespaço, e com a ajuda de um programa de computador chamado Rosetta, os usuários do "Foldit" podem criar gráficos com modelos tridimensionais das proteínas, que depois são enviados para os pesquisadores.
- Depois desta descoberta, os jovens talvez não tenham mais aversão de fazer seu dever de casa na área de ciências. O jogo é uma abordagem inovadora na tentativa de fazer com que humanos e máquinas aprendam uns com os outros em tempo real - destaca Carter Kimsey, diretor da Divisão de Infraestrutura em Biologia da Fundação Nacional de Ciências dos EUA.
Os pesquisadores também ressaltaram a importância de criar formas que permitam ao público em geral ajudar na solução de problemas científicos reais. Co-criador do "Foldit", Seth Cooper, do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Washington, estuda métodos de interação e exploração homem-máquina e a co-evolução de jogos e jogadores.
- As pessoas têm grandes habilidades de racionalização espacial, algo em que os computadores ainda não são bons - lembra Cooper. - Assim, os jogos dão a estrutura para unir o melhor dos computadores e dos humanos. O artigo desta semana mostra que jogos, ciência e computação podem ser combinados para conseguir avanços que não eram possíveis antes.
Assim como os jogadores, jogos como o "Foldit" estão evoluindo. Para conseguir montar a estrutura da enzima do retrovírus, os grupos - batizados Foldit Contenders e Foldit Void Crushers - usaram uma nova ferramenta de alinhamento que pela primeira vez permite aos usuários copiar partes conhecidas da molécula e testar como elas se encaixam num modelo incompleto.
- O Foldit deixa claro como um jogo pode transformar novatos em especialistas capazes de produzirem descobertas científicas de primeira categoria - conclui Zoran Popovic, professor-associado de Ciências da Computação da Universidade de Washington. - Hoje aplicamos a mesma abordagem para mudar a maneira como matemática e ciências são ensinadas nas escolas.
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