As internações vividas pelo ex-jogador do Corinthians e médico Sócrates são consequência de um problema nas veias do fígado chamado hipertensão portal. O ídolo do futebol brasileiro sofre com problemas de cirrose no órgão.
Na quinta-feira (22), o ex-jogador recebeu alta de sua segunda internação no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Ele deu entrada no hospital com uma hemorragia digestiva no último dia 5.
Sócrates ficou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde recebeu drogas para controlar a pressão arterial, e chegou a precisar da ajuda de aparelhos para respirar.
Em agosto, o “Doutor” já havia passado nove dias no hospital por conta de sangramentos no estômago.
A doença
A hipertensão portal leva esse nome por ser um problema de comunicação da veia porta — responsável por levar sangue até o fígado — com os vasinhos do órgão, conhecidos como sinusoides.
Um fígado saudável normalmente limpa o sangue para que este possa ser devolvido às outras regiões do corpo sem substâncias tóxicas — eliminadas por meio da bile, uma secreção produzida pelo próprio órgão.
Mas quando comprometido por anos de agressões, sejam elas tóxicas — causadas, por exemplo, pela bebida alcoólica — ou virais, o fígado começa a ficar comprometido. No caso da hipertensão portal, novas veias são usadas para levar o sangue ao órgão, já que a veia cava está impedida de fazer o serviço.
“Cicatrizes são criadas dentro dos vasinhos do fígado. É um tecido fibroso, sem função, que bloqueia o sangue de chegue às células do fígado”, explica o médico Raymundo Paraná, presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH).
Cirrose
O próprio ex-jogador admitiu em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, que a sua situação atual é um preço pago pelo abuso de bebidas no passado. “Eu tenho um ponto cirrótico. É uma lesão que não é tão grave, mas ela está localizada em área hipersensível do fígado. Essa lesão é causada, fundamentalmente, por álcool”.
Assim como no caso de Sócrates, o sangue de uma pessoa com cirrose não consegue circular corretamente dentro do fígado. “É uma situação potencialmente grave, especialmente quando o paciente tem cirrose no fígado”, diz Raymundo Paraná.
Segundo o médico, a doença é silenciosa. “Para se chegar a esse problema é preciso abusar 20 anos do fígado, independentemente das causas [virais, tóxicas]“, diz. “É uma doença que envolve todo o fígado.”
Francisco César Carnevale, chefe do serviço de radiologia intervencionista do Hospital das Clínicas e do Sírio-Libanês, ambos em São Paulo, explicou por que a doença causa a hipertensão portal. “O fígado cirrótico diminui de tamanho e fica endurecido. Por causa disso, diminui a passagem de sangue dentro dele”, afirmou.
Os sangramentos no esôfago e no estômago também estão relacionados diretamente ao problema. Depois de ser filtrado no fígado, o sangue vai para o coração. Como não há acesso ao fígado, “o organismo vai desenvolvendo redes de fuga”, explicou o médico, comparando o sangue ao trânsito.
As vias alternativas são outras veias da barriga e do tórax e, como elas são mais frágeis, pode haver sangramentos. Outro risco é o acúmulo de líquido na barriga (ascite) ou nos pulmões (hidrotórax).
Tratamento
No caso de Sócrates, remédios foram usados para baixar a pressão arterial e procedimentos de endoscopia que buscam “pinçar” os vasos para reduzir os vazamentos de sangue. Para Raymundo Paraná, manobras como as utilizadas pela equipe médica do Albert Einstein são as medidas comuns tomadas em centros de referência para o tratamento da doença.
Há ainda uma tecnologia conhecida como TIPS (sigla em inglês para anastomose portossistêmica intrahepática transjugular), que pode ser aplicada em casos de hemorragia por hipertensão portal. “É um material colocado na veia porta que faz o sangue ser levado diretamente ao fígado, sem passar pelos vasinhos sinusoides”, explica o médico.
“O TIPS funciona bem na maioria dos casos, mas podem ocorrer novos sangramentos”, diz. “É um procedimento usado para manter o paciente vivo e depois adotar a terapêutica tradicional, que vai salvar e garantir a qualidade de vida”.
Este tratamento definitivo pode ser, em casos mais graves, um transplante de fígado. “Há gente que vive com cirrose e não apresenta problemas. Para quem não tem a mesma sorte, o procedimento que poderá ser adequado é mesmo transplantar um outro órgão”, diz Raymundo Paraná.
Já Carnevale é um pouco mais pessimista. “A grande maioria dos pacientes de cirrose precisa de transplante”, ele apontou. Segundo ele, o TIPS funciona muito bem por dois anos, tempo suficiente para a sobrevida de quem está na fila, esperando por um novo fígado. “É uma maneira de melhorar o paciente clinicamente para avaliar um futuro transplante”, definiu.
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