24 janeiro 2011

Médicos sem especialização

Há muito tempo, venho observando o movimento oscilatório que o Brasil vive na área educacional. Por vezes chego a ter vertigem. Acredito que nem mesmo as autoridades do Ministério da Educação (MEC) - que ditam as regras - saberiam explicar a atual situação. O aumento impulsivo do número de faculdades, universidades e centros universitários chega a deixar os nossos jovens confusos.

Além da natural indecisão com a escolha profissional, agora eles também são abatidos com as inúmeras opções de instituições de ensino superior. O panorama é realmente assustador. Comparativamente, é como espalhar sementes com potencial germinativo em concreto armado.

Estes jovens fazem o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), vestibulares e enfrentam longos anos de graduação. E depois? Fomados, esses profissionais são literalmente "jogados" no mercado de trabalho, que a cada dia exige sempre mais especialização.

Consultando sites do governo, procurei saber sobre a situação em que se encontram os estudantes que escolheram a medicina como profissão. É importante destacar que este curso é o mais caro e um dos mais concorridos em todo o Brasil. Analisei primeiro o número de vagas oferecidas em todo território nacional. Se levarmos em consideração as regiões, podemos destacar: na Região Norte, são 802 vagas; Nordeste, 3.636; Centro-Oeste, 1.340; Sul, 1.576; e Sudeste, 9.674 vagas. Estes números significam que todos os anos formam, no Brasil, cerca de 17.028 médicos por ano. Até aí não vemos problemas, já que os currículos foram ajustados para as faculdades formarem profissionais generalistas, que poderão exercer a medicina por meio do Programa Saúde da Família (PSF).

Mais uma vez, procurando nas estatísticas, me deparei com algo muito grave. Em todo o país, são oferecidas apenas 489 vagas de residência médica para todas as especialidades aprovadas pelo Conselho Nacional de Residência Médica. Em síntese, mais de 17 mil médicos disputam, anualmente, menos de 500 vagas de especialização. Números realmente discrepantes.

Constitucionalmente, todo cidadão tem o direito de fazer uma especialização e manter-se atualizado. Mas, no Brasil, o recém-formado em medicina não tem muitas opções. Apesar do enorme interesse em continuar estudando e se capacitar, resta a esse profissional apenas o caminho do PSF.

A maioria desses jovens se frustra, pois o PSF não oferece condições para a prática de uma medicina de qualidade e um início de carreira como eles sonhavam. Portanto, o que vemos é a usual prática de encaminhamento de pacientes para outros serviços. Ou seja, mais uma vez a população é prejudicada. Vale lembrar Paulo Freire: "O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo, relações de transformação, e se aperfeiçoa na 'problematização' crítica destas relações".


Autora: Raquel Virgínia Rocha Vilela - PhD, sócia e diretora do Instituto Superior de Medicina e Dermatologia, professora da Faculdade de Farmácia da UFMG
Fonte: Estado de Minas

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