21 abril 2011

O Bolo de Fubá

Ambulatório de Psiquiatria de um dos maiores Hospitais-Escola de São Paulo. Residentes e internos reunidos em torno de um caso de depressão puerperal – um quadro depressivo pós-parto, que pode levar a mãe a rejeitar a criança ou até assassiná-la, se não tratado. Logo, um caso que mereceu todo cuidado e empenho da equipe cuidadora.

Após algumas semanas de tratamento, a paciente recebeu alta totalmente recuperada, aceitando plenamente a sua condição de mãe e profundamente agradecida a toda a equipe que a tratou com tanto carinho.

Óbvio que tal dedicação merecia recompensa. Então, imbuída de todo o amor que uma paciente pode nutrir por uma equipe médica, esta mãe retornou algum tempo depois com um vistoso bolo de fubá.

Aqui vale um adendo – residentes e internos não recusam nada do que lhes é oferecido, primeiro porque o dinheiro é muito curto, segundo porque eles realmente não têm tempo de fazer uma refeição decente devido à correria peculiar a tal época da formação médica. Logo, um delivery de bolo de fubá era tão bem-vindo quanto o laptop da Barbie que minha filha pediu para o Papai Noel.

Enfim, realizados os agradecimentos de praxe, procedeu-se à degustação da guloseima, por mais suspeita que fosse a fonte fornecedora – lembremo-nos de que se trata de um ambulatório de Psiquiatria. Segundo relatos, não deu para quem quis.

Um mês depois, a paciente voltou ao ambulatório para uma consulta de rotina. Procedeu-se, então, ao seguinte diálogo, que faço questão de transcrever na íntegra:

– Boa tarde, Dona Sílvia. Tudo bem?

– Tudo bom, doutor. E o senhor?

– Graças a Deus, tudo em paz. Como vai a filhinha?

– Cada vez mais linda, doutor. Uma princesa. Que tal, gostaram do bolo de fubá?

– Puxa vida, é mesmo, ia me esquecendo, obrigado pelo bolo! Todos aqui comeram, estava de lamber os beiços! Sempre que a senhora vir, pode trazer um daqueles, que será muito bem-vindo.

– Pode deixar, doutor. Só acho que os próximos não vão ficar tão bons quanto aquele, porque naquele eu coloquei um ingrediente especial, que fez toda a diferença.

– É mesmo, dona Sílvia? E qual foi?

– Eu usei o meu leite pra fazer o bolo!

– …

– Não ficou uma delícia?

Juro que em muitos momentos da minha vida quis ser uma bactéria hospitalar, para presenciar determinadas cenas, mas especificamente neste caso eu dava tudo para ver a cara dos residentes e internos diante de tal estapafúrdia afirmação. O que é muito pior, não havia absolutamente nada a ser feito – não adiantava nem vomitar, pois os dejetos referentes ao bolo já se encontravam no rio Tietê havia pelo menos 20 dias.

Terminada a consulta (sabe Deus com que cabeça), o laboratório de análises clínicas do hospital recebeu um dos maiores afluxos de residentes e internos em um mesmo momento de sua história – pesquisa de HIV, hepatite B, C, tudo o que pode passar pela cabeça de alguém muito desesperado. Muitos ficaram deprimidos após esse acontecimento, alguns necessitando até de tratamento medicamentoso. Pelo menos eles já se encontravam no departamento adequado para ter tais problemas!


Antonio Bomfim Marçal Avertano Rocha

Cirurgião Torácico/Oncológico do Hospital Saúde da Mulher

Cirurgião Torácico do Hospital Ophyr Loyola – Belém-PA

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