TÔ COMEÇANDO A ENTENDER!!
Terça-feira passada estava com outros alunos de medicina no hospital Dr. José Pedro Bezerra (mais conhecido como Hosp. Santa Catarina), e por volta das 13 horas (mais ou menos isso), chega uma senhora usando saia amarela, pouco abaixo do joelho, blusa branca – aquelas de tirinhas sobre o ombro, descalça, aparentando ter seus 55 anos, parda, cabelos mais brancos do que escuro, olhos um pouco puxados, como se fosse boliviana; chegou deitada em uma maca, empurrada por um filho, que dizia:
- Minha mãe levou uma facada do meu pai, doto, por favor acuda ela.
- Onde?!
- No coração dotô, no coração.
Calma!! - Gritaram os professores (é assim que chamo os médicos de plantão).
Não sei se aquilo poderia se chamar de calma, pois os momentos que se sucederam foram agitados.
- Dois acessos
- Chama o banco de sangue para ver hematócrito e classificação
- Verifica os sinais vitais
- oxímetro de pulso
...
Quando menos se espera, estamos na sala de cirurgia, fazendo uma toracotomia à esquerda.
...
Que pai!
Que mãe!
Que facada!
Que coração!!
Foi assim mesmo. Uma facada, desferida pelo pai, bem no coração da mãe, que ainda teve tempo de dizer: num deixa eu morrer não dotô, tenho ainda um filho pequeno para criar.
Que coração!!!
“Mais bolsas de sangue”, alguém gritava.
- Estou vendo, estou vendo. Acertou o átrio direito – falava o professor.
- Traga fio agulhado 2-0, vamos suturar o coração.
Que coração!!!! Vermelho. Pulsante. Buscando viver. Buscando amar. Buscando ser amado.
Por ironia do destino, seu nome era DEUSA Maria e, exatamente no dia 27 de julho, comemora-se dia de “Furrinália”, DEUSA romana das águas misteriosas. Ah destino!! Quem me dera se soubesse o que sabes, o que tens preparado para cada um de nós. Machado de Assis em Esaú e Jacó diz: “Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste”.
Aquela frase: “num deixa eu morrer não dotô, tenho ainda um filho pequeno para criar” está ecoando como uma voz que não quer calar. Agora Tô começando a entender o quão grandiosa é essa profissão que escolhemos seguir. Quanto amor temos que oferecer e receber ainda...
“Cada qual sabe amar a seu modo;
o modo pouco importa; o essencial
é que saiba amar.”
Machado de Assis
Marcelo Pimenta
Acadêmico de Medicina - UnP
19:07
Diego Torquato
1 comment
1 comentários:
Quadro: "O Médico" (1891) - Sir Samuel Fildes
Postar um comentário