14 agosto 2010

[Crônica] "TÔ" COMEÇANDO A ENTENDER!!


TÔ COMEÇANDO A ENTENDER!!

Terça-feira passada estava com outros alunos de medicina no hospital Dr. José Pedro Bezerra (mais conhecido como Hosp. Santa Catarina), e por volta das 13 horas (mais ou menos isso), chega uma senhora usando saia amarela, pouco abaixo do joelho, blusa branca – aquelas de tirinhas sobre o ombro, descalça, aparentando ter seus 55 anos, parda, cabelos mais brancos do que escuro, olhos um pouco puxados, como se fosse boliviana; chegou deitada em uma maca, empurrada por um filho, que dizia:

- Minha mãe levou uma facada do meu pai, doto, por favor acuda ela.

- Onde?!

- No coração dotô, no coração.

Calma!! - Gritaram os professores (é assim que chamo os médicos de plantão).

Não sei se aquilo poderia se chamar de calma, pois os momentos que se sucederam foram agitados.

- Dois acessos

- Chama o banco de sangue para ver hematócrito e classificação

- Verifica os sinais vitais

- oxímetro de pulso

...

Quando menos se espera, estamos na sala de cirurgia, fazendo uma toracotomia à esquerda.

...

Que pai!

Que mãe!

Que facada!

Que coração!!

Foi assim mesmo. Uma facada, desferida pelo pai, bem no coração da mãe, que ainda teve tempo de dizer: num deixa eu morrer não dotô, tenho ainda um filho pequeno para criar.

Que coração!!!

“Mais bolsas de sangue”, alguém gritava.

- Estou vendo, estou vendo. Acertou o átrio direito – falava o professor.

- Traga fio agulhado 2-0, vamos suturar o coração.

Que coração!!!! Vermelho. Pulsante. Buscando viver. Buscando amar. Buscando ser amado.

Por ironia do destino, seu nome era DEUSA Maria e, exatamente no dia 27 de julho, comemora-se dia de “Furrinália”, DEUSA romana das águas misteriosas. Ah destino!! Quem me dera se soubesse o que sabes, o que tens preparado para cada um de nós. Machado de Assis em Esaú e Jacó diz: “Não se luta contra o destino; o melhor é deixar que nos pegue pelos cabelos e nos arraste”.

Aquela frase: “num deixa eu morrer não dotô, tenho ainda um filho pequeno para criar” está ecoando como uma voz que não quer calar. Agora Tô começando a entender o quão grandiosa é essa profissão que escolhemos seguir. Quanto amor temos que oferecer e receber ainda...



“Cada qual sabe amar a seu modo;
o modo pouco importa; o essencial
é que saiba amar.”
Machado de Assis




Marcelo Pimenta
Acadêmico de Medicina - UnP

1 comentários:

Diego Torquato disse...

Quadro: "O Médico" (1891) - Sir Samuel Fildes

 
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