24 maio 2010

[artigo] Ser Médico

Ser médico não se aprende na escola. As faculdades de medicina, no máximo, ensinam medicina; não ensinam a ser médico. Saber medicina e ser graduado nessa ciência, não abona plenamente a condição de ser médico. Todavia, um profissional cujo afazer é preservar a saúde humana não deve contentar-se tão-somente com as exigências curriculares oficiais que, como se sabe, cada vez exigem menos.

Existem 180 faculdades de medicina no Brasil, entre públicas e privadas. Os critérios para o adequado funcionamento dessas escolas médicas, na maioria das vezes não passam do papel. As fiscalizações periódicas, quando existem, não vão além dos procedimentos burocráticos, que custam tempo e dinheiro ao erário, mas sem o efetivo conserto pretendido.

A deficiência crônica das faculdades públicas, sempre de pires na mão em busca de verbas que, quando liberadas, geralmente o são em parte, acumulando pendências na qualificação do ensino.

Quanto às privadas, o interesse pecuniário tem como vício atropelar todos os outros. O resultado disso é que profissionais de formação duvidosa são lançados, aos milhares, no mercado de trabalho todos os anos. A própria classe médica não tem mais dúvida disso na medida em que já tenta implantar um exame – O exame de Habilitação também chamado de Exame de Ordem – para o recém-formado no sentido de aferir suas condições de exercer a medicina.

Atestado maior de que a formação do médico está sob suspeita de ineficiência no Brasil, não poderia ser dado. Todavia, o bom senso e a lógica apontam para outra solução: aferir qualificação, sim, mas das escolas médicas. É um despropósito inominado, uma responsabilidade imperdoável permitir que um fato tão grave dessa natureza ocorra – principalmente porque não há dúvida que é um fato – para só depois empreender medidas atenuadoras do mal maior, que é lançar no mercado de trabalho médicos despreparados, riscos eminentes para os pacientes que assistirão.

Ser médico exige vocação, talento, inquietação pelo saber, sentimento humanitário e cultivo das virtudes éticas. Convenhamos que sejam muitas exigências para uma pessoa, mas para um profissional cuja função social é revestida do nobre propósito de promover o bem-estar do ser humano, não se deve exigir menos. O bom médico não é aquele que tão-somente sabe mais, mas aquele que também desperta confiança em seus pacientes.

O saber científico sobre medicina é a pedra basilar, todavia precisa ser lapidada a ponto de perscrutar os mais íntimos anseios de um ser humano que sofre chave mais eficaz para abrir as portas que levam à melhora à cura de sua doença. Para tal questão, a maioria dos livros de medicina e o que se aprende nas escolas médicas, fontes que primam pelo raciocínio linear e reducionista, não oferecem respostas suficientes.

O maior erro que um médico pode praticar é subestimar a relação médico-paciente. As vítimas são os dois: médico e paciente. Comprovadamente, o fator que tem gerado o maior número de denúncias de erro médico é a inadequada condução da relação profissional do médico com seu paciente. Por outro lado, o paciente tem pagado altíssimo preço quando seu médico age dessa de modo inapropriado.

É imperioso, portanto, investir, desde o início da formação médica, no preparo para essa relação, que exige, por parte do médico, conhecimento aprofundado do comportamento humano, bem senso, comedimento e observância aos postulados científicos e éticos.



Por Viriato Moura
Membro da Academia de Letras de Rondônia; Presidente da Regional de Rondônia da Sociedade Brasileira de Médicos; Diretor-presidente do Complexo Hospitalar Central (Porto Velho); Presidente da Academia de Medicina de Rondônia.

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